Já começo o artigo respondendo. Definitivamente não! O brasileiro não está preparado.

Pronto! Se você esperava ter que ler até o fim o artigo para ter a resposta, não se preocupe. Pode fechar esta página aqui.

Mas, se você deseja conhecer um pouco mais sobre investir, sobre finanças comportamentais, esse texto é todo seu.

O investidor brasileiro, aqui neste artigo, chamado ‘João da Silva’, pessoa física, parece agora ter acordado para investimentos mais arriscados. E não se trata de uma impressão. No momento da publicação deste artigo, Abr/2020, a B3 divulga o número de investidores (pessoa física) cadastrados como sendo de 2.243.362 indivíduos. RECORDE.

Em quase 140 anos de história da bolsa de valores do Brasil, nunca houve tantos investidores pessoa física dispostas a enfrentar o mercado volátil das ações. E não é somente este número que impressiona. As estatísticas abaixo (todas obtidas na B3) ainda mostram dados relevantes, tais como:

Foram quase 300 mil novos investidores em Mar/20, mesmo tendo o Ibovespa registrado queda de 29,90% naquele que foi o PIOR desempenho MENSAL em 22 anos.

  • Precisamente, foram 298.871 novos investidores em Março/2020.
  • Ibovespa registrou queda de 29,90% (PIOR desempenho MENSAL em 22 anos).
  • Já são 33,45% o número de novos investidores nos 3 meses iniciais de 2020 em relação ao total de 2019.
  • 2,2 milhões de brasileiros investindo na B3 em Mar/20. Recorde!

Ficou impressionado? A seguir, dados muito mais interessantes…

Por onde começar? Vamos lá, do início…

No século XIX, em 23.08.1890 foi fundada a Bolsa Livre.

112 anos depois, tínhamos esses números de investidores Pessoas Física:

2002 – 85.249 investidores (sim, não tínhamos nem 100 mil investidores!)

2007 – 456.557 (aumento de 107,87% em relação a 2006) – Nesses 5 anos, a bolsa teve resultados muito expressivos e teve seu grande boom

2008 – 536.483 (aumento de 17,51% em relação a 2007)

2016 – 564.024 (aumento de 5% em relação a 2008) – Foram 8 anos onde a bolsa ‘andou de lado’.

2017 – 619.625 (aumento de 9,86% em relação a 2016)

2018 – 813.291 (aumento de 31,26% em relação a 2017)

2019 – 1.681.033 (aumento de 106,7% em relação a 2018)

Mar/2020 – 2.243.362 (aumento de 33,45% em relação a 2019)

Fonte: B3

Obs: A Bolsa de Valores do Brasil demorou 139 anos para atingir mais de 1 milhão de investidores. Os bitcoins não precisaram nem de 1 década para isso. Aliás, década é exagero. Não precisou de muito menos. Mas vamos manter ‘década’. Já é um bom comparativo.

Para entender um pouco do histórico da evolução do número de investidores, preparei o gráfico abaixo, considerando como início de partida o ano 2002, quando o número de investidores total, era de 85.249, sendo 70.219 homens e 15.030 mulheres. Em 2020, essa proporção mudou um pouco, mais mulheres entraram na bolsa, mas nada que modifique a supremacia dos homens. ‘Eles’ ainda lideram, com folga…

Obs: Cabe registrar que como a B3 considera os cadastros em cada agente de custódia, o cálculo pode contabilizar o mesmo investidor mais de uma vez, caso ele tenha conta em mais de uma corretora.

Com base na imagem acima é possível entender a mensagem que está por trás dessas estátuas e é plausível levantar dúvidas quanto ao nível de preparo dos citados investidores para este tipo de investimento de alto grau de risco e volatilidade. Para acrescentar um pouco mais de variáveis na análise, deve ser ressaltado que o momento de ‘entrada’ na bolsa é um cenário recheado de incertezas, onde os investidores institucionais buscam proteger suas carteiras, que em sua maioria tiveram recente desempenho negativo e estudam, detalhadamente, os próximos passos.

O brasileiro está preparado para investimento de alto risco? O que o motiva a investir naquilo que ele não conhece?

Segundo a FGV, o indicador de Incerteza na Economia, teve alta de 44,5 pontos na prévia de abril e chegou a 211,6 pontos. Outro recorde!

Não se trata de depositar um dinheiro em uma corretora e simplesmente inserir ordens de compra e venda de ativos. Diversos especialistas do mercado estão cautelosos e evitam, a todo custo, indicar possíveis tendências, visto que o COVID-19 está ainda longe de um fim. O que se tem notícias é que a cada dia, mais pessoas estão infectadas, o número de mortes aumenta em todo o mundo e, embora haja diversos estudos em evolução, não é possível agora enxergar uma luz no fim do túnel…

O que vem sendo noticiado diariamente é que há ainda demissões, de empresas de pequeno, médio e grande porte, revisão de orçamentos das empresas, suspensão de aulas escolares, home office ou trabalho remoto, cancelamento de contratos, shows, serviços, demandas. Renegociação de dívidas propostas por bancos!

E, na contramão de todo esse cenário, resumidamente anunciado acima, vemos o brasileiro, nosso ‘João da Silva’, bastante otimista, esperançoso, investindo recursos para obter ganhos em renda variável.

Mas, qual o nível de conhecimento sobre finanças que ele detém? João da Silva tem formação em finanças, economia ou mesmo está habituado a investimentos de risco? Ele sabe o que é perfil de investimentos? Já foi ‘testado’ antes, pelo mercado financeiro? Como reagiu? Provavelmente é o mesmo tipo de brasileiro que investiu em criptomoedas e teve sucesso (alguns tiveram), outros que nem tiveram a mesma sorte, e ao entrar no momento de alta, amargaram alguns prejuízos, pois não tiveram a habilidade de vender enquanto estavam lucrando, ou resistiram muito até de repente precisarem dos recursos e acabaram vendendo em um nível bem abaixo, até mesmo, abaixo do valor de compra.

Não estou me referindo à máxima ‘renda variável é investimento de longo prazo’. Estou falando de falta de planejamento, falta de preparo emocional para enfrentar o dia-a-dia do mercado financeiro. Na verdade, o brasileiro, assim como João, que historicamente não tem hábito de investir em renda variável, acredita que pelo fato das ações terem despencado no último mês, terão valorização acentuada e voltarão ao patamar antes da crise, logo que a pandemia acabar…

E quando digo que o povo brasileiro não está acostumado a investir, gosto de apresentar fatos, para que não se configure que se trata de uma mera impressão particular, ou seja, uma simples opinião de quem escreve o artigo.

É uma questão de cultura. Não estamos habituados!

Uma reportagem publicada pela Infomoney, em 2013 já apontava que havia mais presidiários no Brasil do que investidores em Bolsa de Valores.

Enquanto isso, na terra do Tio Sam, nos EUA, na mesma época, a situação era esmagadoramente diferente. Além de deixar a seguir o link, deixo os números:

Em 2013, o percentual de indivíduos presos correspondia a 0,3% da população, enquanto somente 0,29% investiam na Bolsa de Valores. Já nos Estados Unidos, 65% investiam em ações enquanto 0,73% estavam presas.

Portanto, estamos falando desse brasileiro, o João da Silva, ‘investidor’, que acredita que a B3 é uma oportunidade de ganhos expressivos, porém, sem a menor experiência para lidar com as lições que serão, provavelmente ensinadas nos próximos meses. Ele ainda ignora que neste mercado há muitos players. Muitos deles estão contabilizando prejuízos, tiveram redução expressiva de patrimônio e buscam minimizar suas perdas.

João da Silva, de tanto escutar que ‘nas crises surgem as oportunidades’, (o que inegavelmente é um fato), acredita que investir em ações vai trazer a ele, num tempo desejavelmente curto, uma rentabilidade expressiva. Torço até que ele consiga. Mas, preferia muito mais que ele, antes de iniciar os seus investimentos, tivesse conhecimento de si mesmo e entendesse, pelo menos um pouquinho, de finanças comportamentais.

Portanto, João da Silva encontra-se nesse momento inscrito na B3, com apetite ao risco, com algum dinheiro disponível e vislumbrando uma situação muito confortável…

A seguir, vou elencar alguns comportamentos irracionais, chamados de ‘vieses comportamentais’ que são facilmente identificáveis na atual pandemia e outros que o nosso personagem vai enfrentar.

  • Efeito manada – corresponde à tomar decisões irracionais, sem fundamento técnico, de compra ou venda de ativos em função de uma relevante manifestação no mercado acionário. Não entende por qual motivo um determinado ativo está sendo negociado com expressiva alta ou baixa, mas, por não querer ficar ‘de fora’, torna-se mais um a executar as mesmas ordens, por entender que se é bom para os outros, é bom pra ele também.
  • Ancoragem – corresponde a fixar, ‘ancorar’ uma decisão a um valor pré-definido. Por exemplo: ‘Só vou comprar a ação XPTO ou vender a ação WXYZ se os seus valores atingirem respectivamente R$ 20,00 e R$ 45,00’. Não importarão as notícias, dados confiáveis da empresa envolvida, situação de mercado ou crise. O ser humano, irracionalmente, já está programado para só operar no mercado baseado em valores pré-definidos.
  • Aversão a perdas – é o comportamento do investidor em não querer se desfazer de uma determinada ação porque o preço que a mesma está sendo negociada pode estar abaixo do valor de compra realizado. O investidor acredita que ao não realizar a venda, não realiza prejuízo. Porém, mesmo sendo verdade (os papéis continuam em sua carteira), a incapacidade de aceitar derrotas, a não materialização do resultado negativo é o que chamamos de aversão a perdas. No mundo das finanças, não faltam exemplos para configurar tal viés comportamental. Temos por exemplo os americanos que investiam no fundo de pensão da Enron, em ações da própria empresa e perderam considerável fatia do seu patrimônio destinado à aposentadoria. No Brasil, há o caso das empresas ‘X’, do Eike Batista. Provavelmente você leitor, conhece alguém que conhece alguém que perdeu dinheiro nesse caso recente, não?
  • Excesso de confiança – este comportamento é extremamente comum e provavelmente se fez presente no fim do último ano e início de 2020, quando a B3 quebrava máximas históricas, através do índice Ibovespa. Os investidores em geral, assim como o João da Silva, estavam tendo consideráveis ganhos. O que João ignorava era que não se tratava de uma expertise sua em investimentos, ele não entendeu que estava investindo em um período de alta. Costuma-se dizer que quando a maré baixa (há uma queda acentuada, uma crise, por exemplo), que se descobre quem estava ‘nadando pelado’. Acorda João, você não é tão bom assim quanto você pensa. E muito menos, acredite, ações não não são para amadores.
  • Representatividade – quando o resultado recente de um papel (uma alta expressiva ou queda expressiva), por exemplo, determina o comportamento do investidor. Ou seja, ele compra porque o ativo está subindo muito ou vende porque caiu demais. Em momento algum se procura em estudar os motivos que levaram à acentuada variação. Não se baseia em análises, em dados estatísticos. Eu costumo associar a representatividade à falta de conhecimento estatístico.
  • Status quo – é a dificuldade de ‘desapegar’, desatrelar de algum investimento que embora tenha dado certo no passado, não apresenta razões para manter o mesmo desempenho. Mesmo assim, o investidor tende a deixar tudo como está.

Após essa explicação breve, há alguma recomendação? Sim.

Recomendo…

  • Cautela aos iniciantes, aos milhares de ‘João da Silva’, que busquem se aconselhar com pessoas experientes, que tenham comprovadamente expertise. Escutem opiniões, busquem informações e façam investimentos conscientes dos riscos. O sonho de todos é ganhar dinheiro. O grande cuidado que se deve ter nessa hora é não interromper (ou inviabilizar) projetos de longo prazo, como a aposentadoria.

O touro é realmente bonito, é imponente e é um símbolo do mercado financeiro. Mas, com toda certeza, na aposentadoria você não vai querer precisar dele para viver.

  • Tome decisões baseadas no que você pesquisou, buscou entender e se sentiu seguro para fazer. Não se trata de um jogo de ‘banco imobiliário’, que se der tudo errado, amanhã você recomeça e pode ter um destino diferente.
  • Não tenha medo de ter sua própria opinião, de ter suas crenças. Estude muito, leia bastante. Informação disponível hoje é o que não falta! Veja as redes sociais, os sites de finanças, os jornais.
  • Nem sempre o que o mercado está fazendo e é bom pra ele, será bom para você. Existem objetivos distintos, prazos distintos e tolerâncias ao risco distintas.

O futuro que todos desejam é totalmente diferente. Segurança e tranquilidade para curtir os últimos dias de nossas vidas, com recursos financeiros suficientes para nos dar uma condição financeira confortável.

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