Se você deseja entender como um plano superavitário há algumas décadas pode hoje estar apresentando resultados consecutivos de déficits, talvez este texto seja o que você estava esperando. Estamos com nosso propósito de explicar o que aconteceu que justifica ao desequilíbrio do plano.

Esta é a 2ª publicação que estamos fazendo a respeito da historia do Plano BD Eletrobrás, num período de pouco mais de 20 anos. Caso não tenha lido a 1ª parte você pode clicar aqui.

O ano 2003 foi um ano muito bom para os investimentos do plano. O resultado superavitário de R$ 93,1 milhões foi um dos destaque do relatório anual daquele ano. Segundo pode ser lido no citado documento, não apenas o plano CD Eletrobrás ganhava modificações importantes no seu desenho inicial, que beneficiaria quem migrasse, mas também o Plano BD parecia ganhar modificações no regulamento que garantiria “benefícios” aos participantes assistidos que não poderiam migrar.

A rentabilidade real conseguiu expressivos 18,7% enquanto a expectativa atuarial era de “apenas” 6%.

Basta lembrar que 2002 o superávit estava em quase R$ 15 milhões. Um aumento que deveria ser comemorado.

Naquele nao havia sido constatado pela auditoria KPMG a confirmação de excelente gestão da gestão atuarial do plano, bem como dos benefícios pagos corretamente e, naquele momento, já se colocava em pauta uma nova atualização de tábua atuarial de mortalidade geral. Dessa vez, pensava-se na AT 83, uma tábua ainda mais conservdora. Vale lembrar que o superávit do plano poderia ser a principal razão para se promover uma nova atualização da tábua de mortaliade, trazendo mais segurança para o plano. Neste mesmo ano, a Eletros já apresentava propostas ao seu Conselho Deliberativo objetivando reduzir os impactos que vinham prejudicando os participantes em função da alteração da recente reforma da previdência, que tinha implantado o fator previdenciário.

No demonstrativo de evolução das reservas matemáticas, registra-se que dos quase R$ 150 milhões de aumento do passivo em relação ao ano anterior, R$ 16 milhões (ou seja, mais de 10% do seu crescimento) foi atribuído à evolução individual de remuneração, entre outros fatores. Era o típico aumento de passivo que o plano absorvia sem que ninguém percebesse, pois nenhum valor adicional era cobrado de ninguém, afinal, o plano estava com superávit!

E, ao analisarmos o ano 2004 vimos um surpreendente resultado. Novo superávit recorde de R$ 195 milhões! Sim, 109,2% de aumento no superávit do plano. A rentabilidade obtida tinha sido excelente novamente. 16,4% acima do INPC. E, pelo que estamos observando como prática da Eletros, o que era previsível de acontecer? Nova mudança de tábua de mortalidade geral. Dessa vez a Eletros daria um passo além do que diversas fundações estavam fazendo e estudava acertadamente pela mudança de tábua, com provável adoção da AT 2000. Na época, considerada uma das mais conservadoras existentes e símbolo de “status” no mercado. Adotar tal hipótese era admitir que o plano era capaz de suportar o pagamento de benefício vitalício do plano levando em consideração o avanço da medicina e o aumento recente da expectativa de vida dos brasileiros. Tudo isso sem custo para os participantes, mais uma vez, pois os cálculos iniciais feitos pelo atuário indicavam um custo de R$ 160 milhões. Porém, a tábua atuarial adotada em 2004 ainda foi a AT-49. Ficaria para 2005 apresentar um estudo demográfico que justificasse a sua mudança.

E, embora os números de superávit tenham sido impressionantes, não se pode deixar de registrar o crescimento “silencioso” do passivo atuarial que variou R$ 95 milhões em 12 meses. Esse crescimento teve em sua composição o acréscimo de R$ 44,32 milhões atribuídos novamente à evolução salarial, além de outros fatores.

Mas, o que seriam esses “outros fatores”? Podem ser todos os desvios para as premissas adotadas que se verificavam a cada ano, como por exemplo alteração de composição familiar, a diferença entre números de eventos de invalidez previstos e realizados, falecimentos etc. Também estão nessa conta dos R$ 42 milhões os participantes que passavam a ser considerados como “risco iminente”, ou seja, que poderiam solicitar o benefício de aposentadoria a qualquer momento e com isso, algumas premissas deixavam de ser adotadas, provocando um aumento do passivo, sempre na ótica da adoção do conservadorismo.

O ano 2005 trouxe ainda mais motivos para comemorações. Não só foi possível registrar novo resultado superavitário (pelo 4ª ano consecutivo) para o plano, que teve outro resultado expressivo de rentabilidade acima da meta atuarial (13,2% acima do INPC), foi este o ano em que a Eletros propôs ao mesmo tempo 3 (três) mudanças nas hipóteses atuariais, em mais uma “janela de oportunidade”, sem custos para toda as partes:

  • A já esperada substituição da tábua AT-49 pela AT 2000 – Impacto de R$ 182 milhões;
  • A substituição da tábua IAPB 55 pela AT-83 (Tábua de mortalidade de inválidos) – Impacto: não informado;
  • Alteração do fator de capacidade em função da previsão de menores índices de inflação nos anos seguintes. O novo fator de capacidade seria de 0,98 substituindo o anterior de 0,97 que já tinha sido alterado alguns anos antes, conforme você já leu na Parte I dessa série de publicações que estamos fazendo. Este impacto no passivo equivalia a aproximadamente 1,03% do passivo total do plano.

A tábua AT 2000 prevê sobrevivência até 115 anos de idade enquanto a anterior prevê até 109 anos de idade.

ATENÇÃO: Cabe nesse momento uma observação. Mesmo com este superávit, não seria possível neste mesmo ano aplicar ainda outra mudança considerada já importante e prudente: a redução da taxa de juros. Isso porque já vinha se tornando consenso no mercado que as taxas de juros no país iriam reduzir no longo prazo. Como paralelo, citamos novamente o mercado de previdência aberta, operada por bancos e seguradoras. Os antigos “planos tradicionais” que davam garantia de taxa de juros de 6% ao ano + inflação (em geral IGP-M) com tábua de mortalidade AT-49 não eram mais oferecidos no mercado. Eles deixaram de ser oferecidos porque ofereciam riscos. Reduzir a taxa de juros em 2005 em 0,5% implicaria em consumir R$ 84 milhões do superávit (aumentar o passivo) e uma redução de 0,75% impactaria o passivo em R$ 128 milhões. Todos esses números foram calculados e registrados no DRAA da época.

A redução da taxa de juros não foi adotada em 2005, embora houvesse possibilidade de aplicar tal redução sem exigir nenhuma contribuição extraordinária de participantes, assistidos e patrocinadores, mais uma vez.

Vale destacar um importante marco em 2005 para o plano BD – A aprovação do novo Regulamento do Plano BD Eletrobrás, que só teria “eficácia” a partir da aprovação do novo plano “CD Eletrobrás”, que viria a ser aprovado em 2006. Dentre as principais mudanças, a incorporação da portabilidade, o fechamento do plano à novas adesões e o cálculo da aposentadoria hipotética utilizada para fins de cálculo do benefício complementar da Eletros que, finalmente, permitiria diminuir a perda de benefício provocada anos antes pela introdução do fator previdenciário na regra de cálculo do benefício da Previdência Social – INSS. Se você pensou em mais uma razão para aumento do passivo atuarial do plano, você acertou. Este impacto náo foi mensurado.

E, para terminar a análise deste ano, registra-se que em 2005 o passivo atuarial cresceu ainda R$ 34,5 milhões em 12 meses, atribuídos novamente à evolução salarial, além de outros fatores.

Chegamos então ao ano 2006 que teve como grande destaque a aprovação do plano CD Eletrobrás e a consequente migração para o plano.

No que diz respeito ao resultado do plano, houve um aumento do superávit, valores historicamente maiores que os anteriormente registrados em anos anteriores (R$ 232,3 milhões), mesmo tendo sido implantada a redução da taxa de juros em 0,5% a.a. ou seja, a taxa de juros adotada na avaliaçao atuarial passava de 6% a.a. para 5,5% a.a. e tal redução custou R$ 89 milhões, ou seja, um aumento do passivo nessa grandeza. Portanto, o superávit teria sido ainda maior, no 6º ano consecutivo de resultados tão favoráveis.

O superávit obtido equivalia a 13,39% do Ativo líquido, ainda bem distante dos 25% necessários para uma possível distribuição de superávit.

Nota: As migrações dos 354 participantes responderam por aproximadamente R$ 132 milhões em 2006. Vale ressaltar que os valores transferidos não compreendiam nenhuma parcela do superávit acumulado. Foi transferido apenas o que correspondia à reserva matemática individual dos participantes, ou seja, todo o superávit permaneceu no plano BD, a ser “rateado” aos que nele permanecessem ao final da migração.

A rentabilidade anual obtida pelo plano BD foi de 10,13% acima da meta atuarial, que na época passou a corresponder a INPC + 5,5% a.a.

Para concluir esta Parte II, mostraremos os resultados do ano 2007, último ano de superávit expressivo no plano.

O ano 2007 fechou com o 6º superávit consecutivo, desta vez no valor de R$ 303 milhões (acumulado), equivalente a 17,1% do Ativo Líquido do plano. No ano, ou seja, nos 12 meses daquele exercício, o superávit obtido foi de aproximadamente R$ 70,3 milhões. A rentabilidade mais uma vez contribuiu para esse excelente resultado (simplesmente 12,97% acima do INPC), o que nos leva a concluir, observando os resultados ano após ano, que a gestão dos investimentos sempre apresentou desempenho de destaque, permitindo todas as mudanças conservadoras adotadas no plano sem que houvesse nenhum prejuízo ou desembolso financeiro aos participantes.

Na próxima publicação, que você acessa clicando aqui veremos os motivos que começaram a justificar o surgimento dos déficits do plano BD Eletrobrás.

Caso tenha algum comentário a fazer, se algo não ficou muito claro, fique à vontade para nos informar. Faremos o possível para deixar o texto didático e explicativo. E, se for possível, pedimos encaminhar essas publicações para outros participantes terem acesso ao histórico do plano BD Eletrobrás.

Este post tem 2 comentários

  1. Cristina Almeida

    Muito elucidativo Hugo. Parabéns. Até aqui observei que a migração não gerou déficit financeiro, mas entendo que provocou déficit atuarial, uma vez que a expectativa de entrada de valores importantes de novas contribuições dos ativos foi frustrada a partir da migração. Você sabe dizer quais foram as contrapartidas das patrocinadoras para evitar o desequilíbrio do plano?

    1. Hugo Elsenbusch

      Cristina, primeiramente ficamos gratos com as palavras sobre o texto.
      Com relação à sua pergunta, vejo como importante trazer à essa discussão alguns conceitos.
      A diferença negativa entre o valor do patrimônio (Ativo) e as obrigações do plano (Passivo) são em geral conhecidas como insuficiências de patrimônio. Podem ser causadas por maus resultados dos investimentos, pela sobrevida das pessoas, pelo subdimensionamento de contribuições ou, como quase sempre se observa, pelo conjunto de todas essas possibilidades.
      Dito isso, falar em déficit atuarial ou financeiro é em princípio buscar uma nova definição para a principal questão que é a falta de patrimônio para garantir o pelo pagamento de todos os benefícios do plano pelo prazo vitalício dos participantes.
      A entrada de novas contribuições para o plano não necessariamente significariam uma redução no passivo do plano. Tudo dependeria da evolução salarial dos participantes até a sua aposentadoria e da própria rentabilidade do plano.
      O que há de concreto é que após o término da migração, segundo previsto no Art 61, parágrafo 1º, seria feita uma avaliação para identificar possíveis desequilíbrios causados pela migração que seriam pagos em prazo não superior a 10 anos pelos patrocinadores.
      Tal financiamento foi realizado mediante Termo de Compromisso, cujo encerramento se deu, salvo engano, em Dez/2020. Mais informações a respeito podem ser obtidas junto à Eletros e através da leitura dos pareceres atuariais disponíveis na página da Fundação.
      Em nosso entender, essa teria sido a contrapartida das patrocinadoras em função de eventual déficit apurado ao término da migração.
      Porém, outros fatores podem ter provocado uma migração em maior número do que inicialmente previsto (estamos falando do incentivo dado nos últimos dias da migração em 2009 para os migrados, equivalente a R$ 10 mil e das inúmeras prorrogações de prazo realizadas e como consequencia, a transferencia de maiores valores de reservas matemáticas que em geral, cresciam mensalmente acima inclusive da rentabilidae obtida pelo plano).

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