Nesta terceira parte daremos continuidade à narração dos fatos mais importantes e buscar explicar o que aconteceu com um plano que vinha de muitos anos de resultados superavitários. A figura acima busca ilustrar as incertezas quanto ao futuro do plano BD Eletrobrás logo após a migração ter sido encerrada e quais seriam as medidas que seriam tomadas pela Fundação, até então acostumada a encerrar os seus exercícios com resultados positivos e otimismo.

Recomendamos muita atenção aos fatos, pois foi a partir do resultado de 2008 que o plano passou a conviver com déficits elevados. Nessa publicação, vamos falar do biênio 2008/2009.

No cenário de migração para o plano CD Eletrobrás, na história narrada até então havia ocorrido a primeira prorrogração da migração até dezembro/07, pois os participantes sinalizavam precisar de mais tempo para a decisão de migrar ou não para o plano CD Eletrobrás.

No entanto, o que se verificava na Eletros era um baixíssimo número de atendimentos durante o ano, exceto nos últimos dias antes do suposto prazo de encerramento das migrações. O que os participantes já tinham percebido é que suas reservas matemáticas cresciam a cada mês, pois o cálculo considerava, dentre tantas outras hipóteses, a média dos últimos 36 salários de contribuição para o plano (SRB). Quanto maior essa média, maior o benefício, maior a reserva. Em paralelo, menos tempo faltava para a aposentadoria, o que também colaborava para o aumento do valor a ser migrado. E, como é possível de perceber, a decisão muitas das vezes já tinha sido tomada, porém, esperava-se maximizar o valor a migrar. A consequencia imediata para o plano BD era uma saída maior de recursos do que inicialmente previsto, pois a migração deveria ocorrer somente até 31.03.2007.

O ano era 2008 e começava com a promessa da migração finalmente terminar em Junho/2008. E, pelo menos daquela vez, parecia que a migração tinha sido encerrada. Tinham migrado mais de 800 participantes ao longo de pouco mais de 2 anos em que esteve aberta a migração. A partir de julho, ninguém mais teve possibilidade de migrar para o CD Eletrobrás. Não em 2008. Porém, o ano não terminou nada bem para o Plano BD Eletrobrás.

O resultado do plano foi um déficit no valor de R$ 107,9 milhões (o mais alto da história da Eletros).

Mas, o que aconteceu?

Começamos analisando a rentabilidade real do plano BD naquele ano foi de -3,91% contra uma meta atuarial de 13,21%. Neste ano houve um baixíssimo desempenho da carteira de renda variável, a rentabilidade real foi negativa (-45,9%), provocada pela crise mundial, que também afetou o resultado da renda fixa, obtendo em termos reais apenas 4,1%, ficando abaixo até do INPC que teve variação de 6,5%. Porém, a rentabilidade abaixo do que era necessário estaria longe de ser a única justificativa para a transição de um resultado superavitário em 2007 (R$ 303 milhões) para um resultado deficitário daquele tamanho. A resposta que faltava para explicar o resultado negativo ficou por conta do adicional de aposentadoria. Um ano para ser esquecido, em termos de resultado, mas, ser muito lembrado e ser bem entendido para chegarmos à algumas conclusões no cenário que estamos vendo hoje no plano BD.

De fato, 2008 foi um ano bem peculiar. Foi um ano de tomadas de decisões administrativas de alto impacto que repercutiram em um aumento expressivo do passivo atuarial do plano.

Como destaque para o ano 2008 no Relatório Anual, relativamente ao plano BD, a Eletros comunicava a assinatura do Acordo do Adicional de Aposentadoria, com base em proposta da DEE – Diretoria Executiva da Eletros, aprovada pelo Conselho Deliberativo em nov/08, e segundo menciona no texto, veio a reconhecer um direito relativo à diferença do adicional de aposentadoria, para os participantes que se inscreveram nos regulamentos 1 ao 4 (ativos e assistidos). O acordo seria assinado apenas com os aposentados. Todos os ativos teriam seus benefícios de aposentadoria calculados a partir de 2009 com a nova regra de cálculo, que representava um expressivo ganho.

Que ganho era esse, afinal?

A explicação a seguir não tem o propósito de julgar o mérito ou emitir qualquer opinião quanto à sua aplicação. Nosso objetivo é informar o que foi aprovado e como tal aprovação impactou o plano de benefício definido, com sua característica mutualista, ou seja, solidária entre todos os participantes, mesmo aqueles que não foram beneficiados com o acordo.

Até antes da aprovação da mudança na regra de cálculo do adicional, é necessário elucidar que o Adicional de Aposentadoria foi um benefício criado na época em que o Regulamento 003 estava vigente. Este benefício correspondia a no máximo, 25% do SRB (Salário Real de Benefício) limitado a 20 Salários Mínimos Federais. Porém, a Constituição Federal de 1988 determinou a impossibilidade de vinculação do salário mínimo para qualquer finalidade.

Assim, mediante tal determinação, a Eletros adotou procedimento similar ao adotado pelo INSS à época, que passou a considerar o TCPS – Teto de Contribuição à Previdência Social para o cálculo da aposentadoria. Assim, o TCPS viria a substituir os 20 salários mínimos para fins de cálculo do Adicional de Aposentadoria.

Essa substituição de parâmetros gerou à época demandas judiciais diversas de aposentados e pensionistas.

Para se ter uma idéia do que significa a mudança, basta observar os valores do Teto da Previdência Social em 2021 (R$ 6.433,57) e o valor de 20 Salários Mínimos Federais (R$ 22.000,00). Se fosse hoje, estaríamos falando de uma diferença máxima entre R$ 1.608,39 (25% de R$ 6.433,57) e R$ 5.500,00 (25% de R$ 22.000,00).

Vamos a seguir ilustrar um exemplo hipotético.

Considere um participante ativo com direito ao Adicional de Aposentadoria:

TCPS = R$ 6.433,57

SRB = R$ 10.000,00

Benefício INSS = R$ 6.000,00

Benefício Eletros = SRB – INSS + Adicional

Vamos agora ilustrar os benefícios ELETROS considerando o Adicional ANTES do acordo e DEPOIS do acordo

ANTES do Acordo = 10.000 – 6000 + 25% x 6.433,77 = 4.000 + 1.608,39 = 5.608,39

DEPOIS do Acordo = 10.000 – 6000 + 25% x 10.000,00 = 4.000 + 2.500,00 = 6.500,00

Observa-se uma diferença de aproximadamente R$ 892,00. Porém, esta diferença poderia ser muito maior se o SRB fosse maior. Vejamos

Mantendo as mesmas premissas, alterando o SRB para R$ 24.000,00, observe o valor do benefício Eletros

ANTES do Acordo = 24.000 – 6000 + 25% x 6.433,77 = 18.000 + 1.608,39 = 19.608,39

DEPOIS do Acordo = 24.000 – 6000 + 25% x 22.000,00 = 18.000 + 5.500,00 = 23.500,00

Nesse cenário (o maior possível), teríamos um acréscimo no benefício de aproximadamente R$ 3.892,00

Tendo noção destes valores, fica fácil compreender como o plano passou a aborver um passivo atuarial maior a partir da celebração do citado acordo.

O Relatório Anual de 2008 nas suas primeiras páginas não menciona maiores detalhes sobre o Acordo do Adicional de aposentadoria, que começaria a ser pago a partir de Janeiro/2009. No entanto, o Parecer Atuarial do Plano BD Eletrobrás, o DRAA e o Parecer do Conselho fiscal traziam informações importantes:

  • O acordo proposto incluía o pagamento retroativo a 5 anos das diferenças devidas aos assistidos. Impacto de R$ 181,4 milhões se houvesse 100% de adesão ao acordo;
  • Do total de 181,4 milhões, R$ 43,7 milhões eram correspondentes aos valores retroativos. Os R$ 137,7 milhões restantes equivalia ao aumento do passivo, sendo R$ 64,2 milhões referentes aos benefícios concedidos e R$ 73,5 milhões referentes aos benefícios a conceder do plano.
  • Como já havia migrado um considerável número de participantes com direito ao adicional, o atuário do plano também registrava uma futura saída de mais R$ 15 milhões aproximadamente que correspondia à diferença sobre o adicional de aposentadoria para os participantes já migrados.
  • ATENÇÃO: O resultado negativo dos investimentos foi apurado em aproximadamente R$ 178,6 milhões. Concluía-se que o déficit de R$ 107,9 milhões era considerado conjuntural e, conforme legislação à época, permitia que se aguardasse o encerramento do exercício seguinte (2009) para então, em permanecendo o déficit, elaborar plano de equacionamento de déficit.
  • A migração para o plano CD Eletrobrás seria novamente permitida, por 90 dias. Dessa vez, seria a última. Em 2008 havia sido transferido do plano BD para o plano CD o montante equivalente a R$ 130,6 milhões.

Veio então o ano 2009, reabertura da migração e um número muito baixo de migrações realizadas. Não teria sido sequer relevante se, “ao apagar das luzes”, as Patrocinadoras Eletrobras e Cepel ofertassem um incentivo à migração, nos últimos 2 ou 3 dias antes do prazo limite aos seus empregados. O valor do incentivo? R$ 10 mil, a serem pagos em duas parcelas, com desconto de imposto de renda. Foram quase 100 migrações em função desse incentivo.

O resultado do ano foi novamente déficit, com uma pequena redução. Ao invés de R$ 107,9 milhões, o plano apresentava R$ 94,5 milhões. O total de migrações realizadas agora permitia estimar em definitivo qual seria o valor referente ao adicional de aposentadoria migrado. Esse montante equivalia a R$ 22,9 milhões. O Relatório Anual de 2009 informava que o total de acordos celebrados em relação ao adicional de aposentadoria foi de 968 participantes assistidos.

Pela primeira vez desde então o citado relatório citava como causas do déficit algumas situações que não eram abordadas pela Eletros em seus relatórios anteriores, além de outras causas já conhecidas:

  • As evoluções salariais ocorridas nas patrocinadoras, com reflexo no plano de benefícios (fato este destacado nas publicações anteriores);
  • O acordo do adicional de aposentadoria;
  • A crise financeira que teve grande repercussão nos investimentos;
  • A mudança de metodologia de apuração do passivo atuarial do plano adotada desde 2006 (regime de capitalização ortodoxa), comum em planos fechados à novas adesões e implantada a partir de 01.04.2006.

2009 também foi o ano de um plano de demissão voluntária nas Patrocinadoras, cujo prazo para opção era longo e permitia que os participantes de certa forma buscassem maximizar a média final de salários reais de contribuição, maximizando assim o benefício de aposentadoria. Além disso, em virtude do elevado número de solicitações de benefícios, acelerou o volume de benefícios pagos mensalmente pelo plano em função de um número maior de aposentados.

Mesmo tendo superado a meta atuarial em 2009, a recuperação obtida nos investimentos não foi suficiente para reverter o déficit apurado em 2008. A rentabilidade conseguiu 15,2% enquanto o INPC teve variação de 4,41%. Ou seja, a área de investimentos mais uma vez desempenhou um bom trabalho que trouxe resultados importantes para o plano em uma época de muita volatilidade e incertezas no mercado.

Um fato importante que talvez não seja do conhecimento de muitos participantes diz respeito à apuração da responsabilidade da Patrocinadora-Instituidora do plano em relação à migração após o seu encerramento. Trata-se do Art. 61, em seu 1º parágrafo, que determinava que após o encerramento da migração deveria ser apurado o resultado (deficitário ou superavitário do plano) e, em caso de déficit, a obrigatoriedade de contratação da eventual diferença de reserva matemática em prazo não superior a 10 anos. E, através da leitura dos pareceres atuariais disponíveis no site da Eletros, tal contrato foi cumprido e encerrado em Dez/2020, quitando integralmente portanto qualquer déficit eventual existente após o encerramento do processo de migração.

Nesta parte III optamos por enfatizar os motivos pelos quais o déficit surgiu no plano, buscando trazer um pouco de sensibilidade à questão, deixando até exemplos numéricos de valores de benefícios, pois nem todos os participantes tem a noção do quanto é expressivo o adicional de aposentadoria. Por este motivo não avançamos na análise de vários anos. Nas próximas publicações abordaremos os planos de equacionamento que foram elaborados e mais algumas mudanças de ordem técnica que foram implantadas na Eletros (como a adoção da “família real” como hipótese de composição familiar), visando adequar o correto dimensionamento do passivo em um plano já maduro, com um baixo número de participantes ativos.

Em caso de dúvidas, não hesite em formular sua pergunta. Teremos prazer em responder se for possível.

A Parte IV você consegue ler clicando aqui.

Este post tem 3 comentários

  1. Cristina Almeida

    Mais uma vez gostaria de te agradecer e parabenizar pelo excelente relato. Você saberia dizer se houve aporte das patrocinadoras para a) cobrir o passivo resultante dos acordos celebrados em relação ao adicional de aposentadoria dos 968 participantes assistidos; b) aporte referente ao aumento do valor das aposentadorias dos participantes que aderiram aos planos de desligamento incentivado; e c) aporte referente ao aumento das reservas matemáticas, por motivo de aumentos de remuneração, dos participantes que migraram. Por fim, qual foi o número de participantes que migrou e qual o valor do aporte das patrocinadoras para reequilibrar o plano

    1. Hugo Elsenbusch

      Olá Cristina, obrigado mais uma vez pelos elogios.
      Vamos às respostas:

      a) Não houve aporte das Patrocinadoras. Não houve cobrança a nenhuma das partes (Patrocinadores, ativos ou assistidos). Em tese, todos precisariam dividir essa conta, se fosse cobrada. Na verdade, anualmente em cada avaliação atuarial, o atuário do plano deve propor ajuste em contribuições caso vislumbre a necessidade. Como vimos no histórico que estamos remontando, tanto não havia previsão de precisar assumir tal compromisso (formalmente não era informado ao atuário a cada ano nenhum documento), bem como o plano nos anos anteriores encontrava-se superavitário. Porém, se houvesse essa sinalização, possivelmente o atuário poderia propor mudanças.

      b) Não houve aporte dos patrocinadores em função da elevação das médias salariais que refletiam um benefício maior para os participantes. O que houve foi o aumento natural da contribuição realizada paritariamente (quanto maior o salário, maior a contribuição). Porém, somente por alguns meses. Lembrando que o benefício tornou-se majorado de forma vitalícia.

      c) Não houve aporte referente à transferência de reservas matemáticas na migração, majoradas em função das maiores remunerações. Na realidade, não faria sentido solicitar aportes porque o que foi transferido foi o direito acumulado do participante até aquele momento. Todo o superávit ficou no plano BD.

      A última pergunta, relativa ao número de participantes migrados exato não localizei nos documentos da Eletros pesquisados, porém foram 938 participantes. Quanto ao valor de aporte para reequilíbrio do plano, o mesmo foi calculado em aproximadamente R$ 83,6 milhões, segundo DRAA específico de fechamento da migração.

  2. Cristina Almeida

    Obrigada!

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